Prisão preventiva versus gravidade em abstrato do crime: como superar o requisito da ordem pública?

A preservação da ordem pública tem sido o motivo principal invocado pelos magistrados ao decretar a prisão preventiva.

Mas, o que é essa tal de ordem pública?

Muito se critica o conceito dado a garantia da ordem pública por se tratar de um conceito bastante vago, impreciso e indeterminado. Fica a critério do julgador inserir qualquer motivo embasado na garantia da ordem pública. Não há uma definição concreta, taxativa, um fundamento muito amplo, que abre margem para utilização desenfreada da prisão preventiva.

Não obstante, parte majoritária da doutrina entende ordem pública como risco considerável de reiteração de ações delituosas por parte do acusado, caso permaneça em liberdade, seja porque se trata de uma pessoa propensa à prática delituosa, seja porque, se solto, teria os mesmos estímulos relacionados com o delito cometido, inclusive pela possibilidade de voltar ao convívio com os parceiros do crime.

Esse risco deve ser apurado com base na gravidade concreta do crime. Quando tratamos da gravidade de um crime, é necessário distinguir entre a gravidade abstrata e a concreta. Naquela, temos um crime grave por sua natureza, um crime que possui alta lesividade em relação ao bem jurídico tutelado. Independente do caso concreto, já é possível vislumbrar um alto potencial lesivo no preceito primário em relação ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal (ex.: homicídio, estupro, roubo, latrocínio, tráfico de drogas etc.). Nesta, a gravidade é o modus operandi do agente, revelada, na maioria das vezes, pelos meios de execução empregados ou a contumácia delitiva do agente.

No caso da prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pública, faz-se um juízo de periculosidade do agente (equivalente ao risco de reiteração delitiva) com base na gravidade concreta do crime, que, caso positivo, demonstra a necessidade de sua retirada cautelar do convívio social.

A título de exemplo, em caso concreto apreciado pelo STJ, concluiu-se perfeitamente justificada a necessidade de garantia da ordem pública em razão da periculosidade concreta do paciente, denunciado como mandante de cinco homicídios qualificados consumados e seis tentado, cometidos por ocasião da invenção da residência das vítimas durante a madrugada, utilizando-se de metralhadora, bem como armamento de grosso calibre, tudo isso motivado por sentimento de vingança e disputa por poder dentro de organização criminosa voltado ao tráfico ilícito de drogas (STF – HC 97.688/MG)

Em outro exemplo, o paciente foi denunciado por ter praticado o crime de roubo, utilizando um simulacro de arma de fogo e exercendo grave ameaça contra passageiros em transporte coletivo. Além disso, apesar de ser primário, possuía, na época dos fatos, um processo em andamento em seu desfavor, com a expedição de um mandado de prisão preventiva pendente de cumprimento pelo crime de roubo majorado (STJ – HC 198036/BA).

Diante dos exemplos anteriores, observa-se que, na concepção dos Tribunais Superiores, a gravidade concreta do crime demonstra a exacerbada periculosidade do indivíduo. Assim, podemos dizer que a garantia da ordem pública é uma expressão sinônima de “periculosidade do agente”.

Nesse sentido, a prisão preventiva poderá ser decretada com objetivo de resguardar a sociedade da reiteração de crimes, dada a periculosidade do agente, assegurando, assim, o princípio da prevenção geral e o resultado útil do processo.

Daí vem a pergunta: como superar o requisito da ordem pública?

Grande parte das decisões judiciais não demonstram a periculosidade do agente, baseando-se em meras ilações e conjecturas desprovidas de base empírica concreta. Com isso, é possível, por meio de recurso próprio, questionar a legitimidade da decisão proferida pelo órgão julgador.

Como vimos anteriormente, a periculosidade do agente deve ser apurada com base na gravidade concreta do crime. Assim, a simples assertiva de que se trata de autor de crime de homicídio cometido com disparo de arma de fogo não é suficiente, por si só, para justificar a custódia cautelar. O mesmo se aplica aos demais crimes previstos no Código Penal e na Legislação Extravagante.

O Superior Tribunal de Justiça tem censurado decisões que fundamentam a privação cautelar da liberdade no reconhecimento de fatos que se subsumem à própria descrição abstrata dos elementos que compõem a estrutura jurídica do tipo penal. Os elementos próprios à tipologia bem como as circunstâncias da prática delituosa não são suficientes a respaldar a prisão preventiva, sob pena de antecipar o cumprimento de uma pena ainda não imposta. Afinal, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível, não se revela possível presumir a culpabilidade do agente, qualquer que seja a natureza da infração penal.

Portanto, quando a decisão basear-se na gravidade em abstrato do crime, é possível a sua revogação, ante ausência de demonstração da gravidade concreta do crime.

Com base nesse entendimento, o STJ concedeu a ordem em Habeas Corpus para revogar a prisão preventiva de um paciente acusado de tráfico de drogas, tendo em vista a ausência de fundamentação válida no decreto prisional, que se baseou apenas na gravidade abstrata do crime, sem apontar nenhum elemento que destoasse do tipo penal e que fosse capaz de demonstrar a periculosidade do agente, colocando em risco a ordem pública (HC 765232/SP).

No escritório Noronha e Gella oferecemos um serviço especializado que se destaca pela compreensão aprofundada das nuances legais envolvidas em casos complexos com prisão preventiva decretada. Nosso time possui uma vasta experiência profissional em lidar com esse tipo de situação. Temos o conhecimento necessário para questionar e contestar decisões judiciais que se baseiam em fundamentos imprecisos ou insuficientes.

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